terça-feira, 16 de outubro de 2007

Os mortos também matam

"Otto não era um sonhador. Dormindo ou acordado, não devaneava. Já fora um idealista, mas essa fase juvenil há muito se extinguira. Houve tempo em que orava a Deus, confiava na intervenção divina e persisitia na convicção
teológica de que seria feita a vontade de Deus.
Esta idéia não era puramente emocional ou religiosa. Quando jovem, muitas vezes sentara-se em um toco nos bosques, meditando até chegar à conclusão de que tinha que haver um Deus. Mesmo deixando de lado todos os argumentos religiosos, Otto havia deliberada e lógicamente, se convencido de que, cientificamente, a existencia de Deus era um fato. Pela natureza matemática de tudo que existia, todas as coisas tinham tido uma origem comum. Um universo, uma galáxia, um planeta, um continente, uma epécie, no final de tudo, no infinito, tudo levava a uma célula, a um átomo. Mas, em alguma época, em algum lugar, havia o nada e depois havia algo e esse algo era Deus.
Aos 10 anos, Otto novamente apoiado na lógica, examinara a vida. O gênio que criara tudo era assombroso...
Era lógico, simples, irrefutável. Tinha que haver um Deus. Jamais se curvara à semântica teológica de uma determinada religião ou de um determinado Deus: isto não passava de invencionice do homem, que certamente Deus perdoaria e compreenderia. Mas, seja como for, havia um Deus e que melhor objetivo poderia existir na vida senão servir seu próximo, em nome desse Deus? Assim, Otto tornara-se rabino. Um bom rabino. Devoto, mas realista. Depois,
tornara-se médico e, mais tarde, psiquiátra, como extensões de seus deveres rabínicos, uma maneira de especialzar-se em sua meta de melhor servir à humanidade e a Deus.
Otto não se tornou rabino por leviandade, nem o deixou de ser por capricho. Contudo, quando se viu forçado a aceitar a existência de Deus e de Hitler, despiu suas vestes sacerdotais e jamais considerou a possibilidade de voltar a vesti-las...
Seis milhões de judeus caminharam para a total aniquilação porque Deus não achara de bom alvitre fazer sessar o massacre.
Não. Para que Otto voltasse a crer em Deus seria necessário encontrar uma explicação lógica para o fato de Deus deixar que um Hitler existisse. Teria que encontrar uma explicação razoável baseado em algo mais sólido que a fé. Crer cegamente não passava de uma panacéia ridícula para a miséria, uma desculpa sem base científica para as aberrações, um bálsamo inutilmente romântico para os desesperados que não podiam ajudar a si mesmo. A Otto não servia mais a ideologia de que tudo, não importa o que, era "vontade de Deus". Para o inferno com isso! Quem poderia admirar, quanto mais adorar um Deus que permitia um Hitler?"

Também tenho minhas questões.

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